quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Era uma quarta-feira qualquer.

Eu quis te convencer, mas chega de insistir / Caberá ao nosso amor o que há de vir 

Já tinha começado nublado e chato, com sorrisos forçados na hora que precisava sorrir e textos sem emoção porque assim dizia o script. Não só porque era quarta-feira, mas acontecia como na música do Cazuza – no escritório sonhávamos que já era de tarde, todas as manhãs. 
Que se arrastavam. 
 Desculpas esfarrapadas na hora do almoço porque não estava dada a interações humanas, o mundo tinha tantos e tantos mistérios infindáveis para perder o tempo discutindo as mesmas pautas de sempre, nossas manias de complicar as coisas simples, a neura de ser preterida, a falta de confiança e de amor próprio e todos os mimimis que acompanham pratos de arroz-feijão-bife-salada-sobremesa. 
Preferi almoçar café e bolo de chocolate. Um pedaço enorme, dentro do limite que poderia pagar (teria eu comido o bolo inteiro se assim tivesse condições financeiras). Como o bom e velho ritual para dias que quero ficar sozinha com meus pensamentos (dias esses cada vez mais frequentes), sentei-me no mesmíssimo banco da mesmíssima praça, para observar aquilo que entre tantas coisas do mundo não me cansava nunca: o mar. Um cigarro aceso, de praxe. Rituais são rituais. 
Porém, antes mesmo que eu pudesse me afogar naquela turbulência que são meus pensamentos e lamentar cada minuto que se passava e me deixava mais próxima da volta, ouvi uma melodia. Calma e linda. Avistei você. Sereno e lindo, com seus dois cachorros, roupa largada e rosto despreocupado. Ao contrário do meu semblante, suponho.
 Você cruzou a minha frente com seu ar distraído. Não sei se foi o misto de sentimentos emaranhados na minha cabeça, o raio do sol que atravessou as folhas e iluminou seu olho castanho ou o mesmo lírio que continuava sozinho no meio do matagal, mas quando você passou por mim, num ímpeto te pedi para que tocasse uma música. Moço, tenho que voltar para o trabalho, salva a minha tarde, canta pra mim? 
Você não me julgou nem me olhou com estranheza, apenas sorriu e começou: Abre os teus armários, eu estou a te esperar / Para ver deitar o sol sobre os teus braços castos/ Cobre a culpa vã, até amanhã eu vou ficar / E fazer do teu sorriso um abrigo.
Eu sorri. Você também. Sua voz era linda, seu cachorro fofo. Você continuou. Cantou também Janta e arrebatou com Doce Solidão
 Foge que eu te encontro, que eu já tenho asas. E assim foi. Eu tinha que voltar, você tinha que ir, me disse que era Léo, e isso é tudo que sei. E que o meu refúgio preferido é também o seu palco. 
E que você salvou minha tarde. Agora, aqui envolta das paredes sem graça e textos técnicos, me pergunto se te inventei, se não foi algo que eu li ou um ato desesperado da minha mente para devolver a cor do meu dia. E secretamente sei que meus momentos de refúgio serão também de espera, quiçá de esperança. Quem sabe eu precise ser salva novamente e você apareça. 
Quem sabe.

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