terça-feira, 25 de novembro de 2014

Carta.

(Porque a minha eu guardo só pra mim)

Tem chuva caindo lá fora. Tem gente se molhando, tem gente praguejando, tem gente agradecendo, tem gente chorando junto com chuva. 
Quanta coisa está acontecendo quando a gente acha que nada acontece. 
Tem gente trabalhando e sonhando e ir se juntar aos pingos.
 Tem gente se molhando, e sonhando em ter um trabalho. 
Tem gente indo, gente vindo.
Existe um tempo paralelo entre as coisas que a gente vive nesse momento e as coisas que acontecem, e que às vezes não nos damos conta.
 Tem gente trocando mensagem.
 Tem gente envelopando palavras, e tem palavras viajando dentro de caixas, que estão dentro de caminhões, que estão em cima das estradas, que estão sendo observadas por alguma pessoa da janela. Tem gente que não olha na janela. 
Tem gente esperando. 
Tem gente que não espera nada. 
Mas aí Caio me disse: “Quem procura não acha. É preciso estar distraído e não esperando absolutamente nada. Não há nada a ser esperado. Nem desesperado”.
 E enquanto tinha gente esperando por algo que não vinha, gente se desesperando por algo que chegou, eu estava distraída, esperando quem sabe o relógio alcançar sua hora mágica. Ou então que apenas uma trégua da chuva. Ou ainda que o café ficasse pronto. Na verdade, então, eu esperava? Mas sem desespero.
 E então chegou. Envelopada. Atemporais. Sinergéticas. 
Mágicas, eu diria. 
Daquele tipo de magia que te faz sorrir no meio de uma terça qualquer quando você não está esperando nada, e te fará sorrir muitos anos depois quando sem querer você esbarra na sua caixa e ela se abre, e você enxerga. É uma pena que a maioria espere por respostas imediatas. Que pire nos sinais de que foi nitidamente ignorado. Que se expresse por bonequinhos de rosto amarelado.
 Não, não deixe de fazer – comunicar é sempre preciso. Mas existem muitas maneiras de fazer isso, e as melhores são aquelas que perduram mesmo depois que a bateria acabar, que o software travar. Aquelas palavras que você pode tocar, pode imaginar, pode até cheirar – ah o cheiro do papel... 
Ah, a caligrafia. Como é bom ter o contato com um pedaço que é só seu, de mais ninguém. A letra de alguém é como sua voz, única. E agora é minha também. 
Espero que nesse momento tenha gente recebendo cartas. E sorrindo à toa, sem esperar ou desesperar.

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Era uma quarta-feira qualquer.

Eu quis te convencer, mas chega de insistir / Caberá ao nosso amor o que há de vir 

Já tinha começado nublado e chato, com sorrisos forçados na hora que precisava sorrir e textos sem emoção porque assim dizia o script. Não só porque era quarta-feira, mas acontecia como na música do Cazuza – no escritório sonhávamos que já era de tarde, todas as manhãs. 
Que se arrastavam. 
 Desculpas esfarrapadas na hora do almoço porque não estava dada a interações humanas, o mundo tinha tantos e tantos mistérios infindáveis para perder o tempo discutindo as mesmas pautas de sempre, nossas manias de complicar as coisas simples, a neura de ser preterida, a falta de confiança e de amor próprio e todos os mimimis que acompanham pratos de arroz-feijão-bife-salada-sobremesa. 
Preferi almoçar café e bolo de chocolate. Um pedaço enorme, dentro do limite que poderia pagar (teria eu comido o bolo inteiro se assim tivesse condições financeiras). Como o bom e velho ritual para dias que quero ficar sozinha com meus pensamentos (dias esses cada vez mais frequentes), sentei-me no mesmíssimo banco da mesmíssima praça, para observar aquilo que entre tantas coisas do mundo não me cansava nunca: o mar. Um cigarro aceso, de praxe. Rituais são rituais. 
Porém, antes mesmo que eu pudesse me afogar naquela turbulência que são meus pensamentos e lamentar cada minuto que se passava e me deixava mais próxima da volta, ouvi uma melodia. Calma e linda. Avistei você. Sereno e lindo, com seus dois cachorros, roupa largada e rosto despreocupado. Ao contrário do meu semblante, suponho.
 Você cruzou a minha frente com seu ar distraído. Não sei se foi o misto de sentimentos emaranhados na minha cabeça, o raio do sol que atravessou as folhas e iluminou seu olho castanho ou o mesmo lírio que continuava sozinho no meio do matagal, mas quando você passou por mim, num ímpeto te pedi para que tocasse uma música. Moço, tenho que voltar para o trabalho, salva a minha tarde, canta pra mim? 
Você não me julgou nem me olhou com estranheza, apenas sorriu e começou: Abre os teus armários, eu estou a te esperar / Para ver deitar o sol sobre os teus braços castos/ Cobre a culpa vã, até amanhã eu vou ficar / E fazer do teu sorriso um abrigo.
Eu sorri. Você também. Sua voz era linda, seu cachorro fofo. Você continuou. Cantou também Janta e arrebatou com Doce Solidão
 Foge que eu te encontro, que eu já tenho asas. E assim foi. Eu tinha que voltar, você tinha que ir, me disse que era Léo, e isso é tudo que sei. E que o meu refúgio preferido é também o seu palco. 
E que você salvou minha tarde. Agora, aqui envolta das paredes sem graça e textos técnicos, me pergunto se te inventei, se não foi algo que eu li ou um ato desesperado da minha mente para devolver a cor do meu dia. E secretamente sei que meus momentos de refúgio serão também de espera, quiçá de esperança. Quem sabe eu precise ser salva novamente e você apareça. 
Quem sabe.

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Da série: diálogos que escondi na gaveta

Abre teus armários, que eu estou a te esperar

Risadas abafadas. 
- E se eu me apaixonar menininha?
 Pausa. 
- Coma açúcar e ouça músicas, ajuda. 
(...) 
- Você não tem coração?
 - Ah eu tenho. E ele é grande e bobo. Mas acontece que depois de um certo tempo a gente vai cuidando para saber quem entra nele. Muitos podem sentir o calor que ele emana, mas a entrada é permitida para poucos. Não, baby, não me olhe assim. Acontece... Acontece que eu já mantive a porta aberta, mas tem gente que entra e bagunça tudo, e você sabe, eu odeio arrumar a casa. 
- Você não pode culpar o próximo pela bagunça de outrem. 
Pausa.
- Sim, eu sei. Mas cansa. E eu não quero mais um objeto de decoração. Quero que seja de coração. 
- Você tem um chocolate? 
- Divide comigo? Açúcar sempre ajuda. (música tema de fundo, pôr-do-sol, silêncio. Sabe-se lá quando se inicia a bagunça).

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Dê lírios.


Ela disse que não gostava de rosas. Como iria gostar de algo que todo mundo gosta? Ela não era igual a todo mundo. Lírios, esses eram seu preferidos. Coloridos no meio de um jardim qualquer, enfeitando a via de algum bairro movimentado da cidade, espalhando o perfume para aqueles que possuem o olfato mais sensível. Ela ouvia bandas de que eu nunca tinha ouvido falar e se virava de cabeça para baixo para ter outra visão do mundo. Baby, quero te dizer que não precisa colocar suas pernas para o ar, você já tem uma visão diferente do mundo. 


Uma visão única, porque é sua, carregada das coisas bonitas e leves que você ama e que talvez quase ninguém conheça. Que bom poder conhecer um pouco do seu mundo. Pensei que não gostasse das rosas por causas do espinhos. Sabe, é algo bonito, mas as pessoas podem se machucar. Isso não parece um pouco com o amor? Será que é por isso que as pessoas dão rosas, como se fosse uma metáfora de aviso? Entrego-te toda essa beleza, mas segure com cautela, porque se o espinho entra, e pior, se ele permanece no dedo (ou no coração), dói muito. Deixa cicatrizes até. 


 Uau. Talvez se as pessoas soubessem disso quem sabe se machucassem menos. Por isso você gosta de Lírios? Mas quero te contar um segredo: existe neles um pó amarelo que pode fazer mal para a vista. Tipo o amor também quem sabe? Ah, mas você me disse que precisamos ser cega ás vezes. E encostar nos espinhos. Sem dor, como saber o sabor das alegrias? 


 Estava sentada esses dias em algum lugar e vi um lírio. Ele estava sozinho, numa imensidão de verde, e é como se emprestasse a vida para aquele espaço. Pouca gente reparou, talvez porque naquele mesmo jardim tivesse rosas e amor-perfeito, emoldurando amores imperfeitos que se silenciavam sob o sol ameno do fim de tarde. Mas eu vi o lírio, e entendi: ela não é igual a todo mundo. Nem todo mundo a vê. Talvez seja preciso virar de ponta-cabeça para tentar entender, ou talvez não, porque certas coisas não são feitas para ter sentido, mas para serem sentidas.